A madeleine talvez seja a receita mais famosa da literatura universal. Citada por Marcel Proust no primeiro – No Caminho de Swann – dos sete volumes que compõem a obra Em Busca do Tempo Perdido, passou a simbolizar o gatilho para a memória involuntária.
Quando levou à boca uma colherada de chá com um pedaço de madeleine, Proust sentiu-se transportado, sem pedir e sem querer, a seus tempos de criança em Combray, na França.
Essa simbologia fez com que as madaleines passassem a ser associadas a memórias, lembranças de um passado, à tradição.
MINHA RECEITA
A receita tradicional é de uma massa muito leve, à base de ovos, farinha, açúcar e manteiga. Nessa, a madeleine é enriquecida com limão siciliano, cardamomo, uma de minhas especiarias prediletas, e azeite de oliva.
Madeleines
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80g de açúcar cristal
raspa de casca de 1 limão siciliano
¼ colher (chá) de cardamomo moído
2 ovos
½ colher (chá) de extrato de baunilha
110g de farinha de trigo
½ colher (chá) de fermento em pó
1 pitada de sal
1/3 de xícara de azeite de oliva
açúcar de confeiteiro
Como Fazer
- Misture o açúcar com as raspas de limão e o cardamomo moído ou amasse no pilão.
- Acrescente os ovos e o extrato de baunilha e bata até ficar cremoso.
- Peneire a farinha de trigo com o fermento em pó e o sal e misture com delicadeza.
- Adicione o azeite de oliva e misture da mesma forma.
- Cubra com plástico e leve para gelar por, no mínimo, 3h.
- Preaqueça o forno a 200 graus.
- Unte com manteiga 20 forminhas de madeleines e leve para gelar.
- Distribua as massas pelas forminhas.
- Asse até que cresçam e dourem.
- Desenforme e esfrie sobre uma grade.
- Polvilhe com açúcar de confeiteiro.
Notas
* Não tenha receio em polvilhar as madeleines com açúcar de confeiteiro, porque a massa não é muito doce. * Para testar um novo sabor, substitua as raspas de casca de limão por raspas de casca de laranja ou de bergamota. * Se for utilizar o cardamomo moído, deixe para triturá-lo na hora de adicionar à receita, para que mantenha todas as propriedades. * O cardamomo é da família do gengibre e é utilizada para aromatizar bolos, pudins e receitas salgadas.
EM PROUST
“Ela então mandou buscar um desses biscoitos curtos e rechonchudos chamados madeleines, que parecem ter sido moldados na valva estriada de uma concha de São Tiago. E logo, maquinalmente, acabrunhado pelo dia tristonho e a perspectiva de um dia seguinte sombrio, levei à boca uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madeleine. Mas no mesmo instante em que esse gole, misturado com os farelos do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem a noção de sua causa. Rapidamente se me tornaram indiferentes às vicissitudes da minha vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, da mesma forma como opera o amor, enchendo-me de uma essência preciosa; ou, antes, essa essência não estava em mim, ela era eu. Já não me sentia medíocre, contingente, mortal. De onde poderia ter vindo essa alegria poderosa? Sentia que estava ligada ao gosto do chá e do biscoito, mas ultrapassava-o infinitivamente, não deveria ser da mesma espécie.
E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedacinho de madeleine que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã em Combray (porque nesse dia eu não saía antes da hora da missa), quando ia lhe dar bom-dia no seu quarto, depois de mergulhá-lo em sua infusão de chá ou de tília. A vista do pequeno biscoito não me recordara coisa alguma antes que o tivesse provado; talvez porque, tendo-o visto desde então, sem comer, nas prateleiras das confeitarias, sua imagem havia deixado aqueles dias de Combray para se ligar a outros mais recentes; talvez porque, dessas lembranças abandonadas há tanto fora da memória, nada sobrevivesse, tudo se houvesse desagregado; as formas – e também a da pequena conchinha da confeitaria, tão gordamente sensual sob as suas estrias severas e devotas – tenham sido abolidas, ou adormentadas, haviam perdido a força de expansão que lhes teria permitido alcançar a consciência. Mas, quando nada subsistisse de um passado antigo, depois da morte dos seres, depois da destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações.”
A ORIGEM DA RECEITA
Existem diferentes versões para autoria da receita de madeleines
- Historiadores defendem que, no século 18, as freiras de um convento dedicado à Maria Madalena vendiam bolinhos em formatos de concha para manter tanto o convento quanto suas creches. Quando os conventos e monastérios foram abolidos da França durante a Revolução Francesa as freiras teriam vendido a receita aos confeiteiros da região, que passaram a produzir o doce e nomearam de madeleine em homenagem ao convento.
- Há histórias do final do século 19 que dizem que, a cada vez que um trem parava na pequena localidade de Commercy, os passageiros eram abordados por vendedoras ambulantes que ofereciam as madeleines. Esse comércio repetiu-se desde a inauguração da estrada pelo Imperador Napolenao III, em 1852, até 1939, durante a 2ª Guerra Mundial. A origem desse doce, no entanto, é bastante controversa, mas, para os estudiosos do assunto, uma coisa é certa: as madeleines surgiram para agradar Stanislaw Leszczynski (1677-1766), soberano deposto da Polônia.
- De acordo com outras versões, o bolinho tornou-se conhecido em 1755 após serem oferecidos em um jantar na corte do rei Stanislaw Leszczyński. Como os bolinhos que agradaram tanto a Stanislaw ainda não possuíam nome, seu genro Luis XV da França, casado com sua filha Marie, nomeou os bolinhos com o nome da confeiteira que os produziu: Madeleine Paulmier. Os bolinhos agora denominados de Madeleines de Commercy eram feitos caseiramente nos feriados festivos, e como uma solução muito eficiente para salvar um jantar desastroso. Levados então para a corte de Versalles, por Luis XV e Marie, criaram fama e se espalharam por toda a França.
- Ainda, de acordo com outras fontes, a madeleine remota à origem da peregrinação à Santiago de Compostela (Saint-Jacques-de-Compostelle), onde uma garota chamada Madelaine ofereceu aos peregrinos um bolo feito com ovos, moldados em formato de conchas Saint-Jacques, o emblema da peregrinação. Fazendo com que o doce ultrapassasse barreiras territoriais e chegasse até a Espanha.