A comida e o ato de cozinhar são considerados uma manifestação de amor e afeto que fica registrada para sempre no inconsciente. Quando um cheiro transporta à infância ou a uma ocasião específica, há o resgate daquele momento, uma retomada que busca reconstruir de alguma maneira qualidades daquele contexto. A perpetuação desse prato, no preparo, é uma tentativa de se apoderar, mesmo que ilusoriamente, de uma parte do passado e buscar recriá-lo para si e para os outros com toda a bagagem de afeto que dele se pode extrair.
Se em tempos passados algumas mulheres não dominavam a arte de escrever, seus saberes culinários foram registrados por alguém que ao observá-las cozinhando absorvia o conhecimento e o transmitia por palavras aos cadernos. Deter a receita é um registro, no entanto, não é uma garantia de domínio do saber cozinhar, como ressalta o escritor Rubem Alves:
“A primeira lição é que não há palavra que possa ensinar o gosto do feijão ou o cheiro do coentro. É preciso provar, cheirar, só um pouquinho, e ficar ali, atento, para que o corpo escute a fala silenciosa do gosto e do cheiro. Explicar o gosto, enunciar o cheiro: para essas coisas a Ciência de nada vale; é preciso sapiência, ciência saborosa, para se caminhar na cozinha, este lugar de saber-sabor”.
Tesouro preservado
Refazer receitas dos cadernos de mães ou avós é uma forma de fortalecer os laços de família. Quanto mais antigas, mais difícil se torna reproduzi-las fielmente, porque, em alguns casos, os ingredientes comumente usados caíram no esquecimento e são mais dificilmente encontrados. Da mesma forma que as medidas são consideradas subjetivas para os dias de hoje, como 1 pires de açúcar ou 1 punhado de farinha. Há também medidas em libras. Mas é sempre possível adaptá-las.
A chef confeiteira Andrea Schein guarda um caderno especial como relíquia. E tem motivos de sobra para isso, datado de 1933, ele pertencia à bisavó dela, Alice Soares de Paiva. Dona Lily, como era conhecida, era dona de casa e cozinhava apenas para a família em Pelotas, terra dos doces de origem portuguesa. Já a avó, Maria de Lourdes Paiva Schein, fazia bolos de casamento, de quem a chef deve ter herdado o dom da cozinha.
No caderno da dona Lily, a torta de amêndoas, que, como está destacado por ela, pode ser preparada também com amendoim, foi a escolhida para ser reproduzida pela bisneta Dea Schein. Além de prepará-la com o recheio originalmente sugerido, de doce de ovos, a chef criou uma opção mais moderna com peras em calda, o que conferiu mais umidade à massa e mais leveza à torta. Mas para não perder a essência da receita a serviu com doce de ovos. Dona Lily registrou ao final da receita um conselho importante: preparar a torta com dois dias de antecedência.
9 clarasTorta de Amêndoas da Dona Lily
Imprimir
Ingredientes
500g de açúcar
500g de amêndoas
Recheio
700g de pera
500g de açúcar
750ml de águaComo Fazer